terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A República Velha I





Entrevista Boris Fausto/tvescola

Como surgiu a República?
A partir de 1870, formou-se no Brasil um movimento que pretendia, por revolução ou por acordo, proclamar a República. Havia várias tendências. O movimento republicano de São Paulo, onde se formou o Partido Republicano Paulista, era muito distinto, por exemplo, do movimento republicano carioca. O movimento do Rio de Janeiro era mais radical. O de São Paulo evitava certas questões, sobretudo a da escravidão, concentrando-se na idéia de uma República federativa, com um grau acentuado de autonomia para as províncias. A elite cafeeira queria determinar os rumos de sua economia, sem as limitações da ação do Império. Ao mesmo tempo, crescia entre os militares, cuja cúpula era muito influenciada pela ideologia positivista, a idéia de que a monarquia emperrava o progresso do Brasil, limitava a industrialização nascente e estava ligada à escravidão. Eles queriam uma República mais autoritária, com mais poderes para o presidente. A República resultou da aliança dessas duas forças: de um lado o Exército; de outro, a elite política de São Paulo. A derrubada do imperador, em 15 de novembro de 1889, não foi um episódio épico, tal como é pintado nos quadros históricos. Nem teve participação popular. Embora relutante, o marechal Deodoro da Fonseca acabou cedendo à pressão dos quadros jovens do Exército. Ao longo do tempo, as conseqüências foram importantes: houve um Brasil da monarquia e outro da Primeira República, mas a passagem entre ambos é mais um exemplo de “transição transada”, sem grandes abalos, na história brasileira.

República

Como era o Brasil no final do século 19?
Era um país de fronteiras definidas, não muito diferente do Brasil de hoje. Porém, mesmo no início do século 20, havia vastas regiões não ocupadas – como grandes áreas do Oeste de São Paulo, onde viviam índios. Do ponto de vista da produção, houve um grande impulso no Centro-Sul, basicamente resultante do café, e também no Sul, com a instalação da pequena propriedade. Essa pequena propriedade, dedicada ao cultivo de produtos como trigo e uva e à fabricação de vinho, se baseava na imigração de colonos alemães, que começaram a chegar ali desde 1820, antes da imigração em massa que ocorreria no próprio século 19. No Nordeste, talvez o fenômeno mais interessante seja a alteração do sistema de produção de açúcar, com a melhoria das técnicas, sobretudo a partir da construção dos grandes engenhos novos, chamados de engenhos centrais.

Quais as características do começo do período republicano?
A Constituição republicana de 1891 adotou o modelo da República federativa, isto é, o Brasil foi dividido em vários estados, reunidos numa federação. Houve uma descentralização dos poderes, das atribuições e dos direitos dos estados, que ganharam autonomia para contrair empréstimos no exterior e constituir suas próprias forças públicas. Sob o aspecto social e ideológico, a proclamação da República se deveu, como vimos, a duas forças muito diferentes, os militares e as elites civis dos grandes estados. Nos primeiros tempos, predominaram os militares – basta pensar nos governos de Deodoro e Floriano –, mas logo depois, a partir de Prudente de Morais, instituiu-se uma República civil.

De onde veio o modelo da Primeira República?
A Constituição de 1891 adotou em grandes linhas o modelo da Constituição dos Estados Unidos, cuja característica é o presidencialismo, quer dizer, o presidente é eleito com mandato e tem poderes independentes do Congresso. Além disso, também seguindo o modelo americano, houve uma divisão entre três poderes: o Executivo, que executa as leis ou encaminha projetos de lei para o Congresso; o Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado), que faz as leis; e o Judiciário, que julga conflitos entre os cidadãos e interpreta as leis, inclusive a Constituição.

Como era o sistema eleitoral?
Tal como ocorria nos últimos anos do Império, o voto continuou a ser permitido apenas às pessoas alfabetizadas, e não era secreto. Além disso, não existia uma Justiça Eleitoral, como existe hoje, para fiscalizar as eleições. Nesse quadro, dificilmente o resultado das eleições correspondia às intenções reais dos cidadãos. A participação dos eleitores era muito pequena, mas isso não surpreende, pois a situação era idêntica em outros países, mesmo nos mais desenvolvidos.

E quanto às relações do Estado com a Igreja Católica?
Nesse campo a mudança foi grande. No Império, o regime vigente era de padroado, isto é, o Estado pagava o clero. Mas as elites civis republicanas, sob forte influência de idéias liberais, cientificistas e laicas, não eram compostas de gente religiosa. Logo no começo da Primeira República aprovaram-se leis que tiraram da Igreja certas atribuições. Por exemplo: embora o casamento religioso continuasse a existir, o casamento civil, feito por um juiz de paz num cartório, passou a ser o único legitimamente reconhecido. O mesmo se deu com o registro de nascimento, que deixou de ser feito nas paróquias para ser feito em um cartório de registro civil. E houve a secularização dos cemitérios, isto é, eles deixaram de pertencer a uma religião para se abrir a todas as religiões, ou até a quem não tivesse religião. Houve de fato uma separação entre Igreja e Estado, e a Igreja Católica deixou de ser a oficial. De certo modo, isso foi mais um bem do que um mal para a Igreja, que se livrou da subordinação e precisou reforçar seus quadros, melhorar sua atividade e aparecer como força espiritual autônoma.

Qual era a situação no meio rural?
No começo do século 20, algumas regiões progrediam muito, mas amplas extensões no campo eram extremamente pobres, carentes, com populações que ficaram à margem do progresso. É o caso de quase todos os estados do Nordeste, onde a grande maioria das pessoas servia de mão-de-obra a grandes proprietários ou cultivava uma terrinha, muito precariamente.

Foi nessa época que surgiu o arraial de Canudos?
Aconteceram alguns episódios sociais importantes, como o arraial de Canudos, que se instalou no norte da Bahia por volta de 1897, tendo como personagem central uma figura urbana, Antônio Conselheiro, um homem místico que fazia uma pregação monarquista, contra a República. Sertanejos atacados pela seca e pelas más condições de vida buscaram no arraial, em um sistema comunitário, uma perspectiva de melhoria. O fenômeno era produto das enormes carências da população sertaneja, mas o governo da República encarou-o como uma ameaça monarquista e resolveu liquidá-lo. Essa decisão desgastou o governo de Prudente de Morais, o primeiro presidente civil, pois, surpreendentemente, sucessivas operações militares fracassaram ao enfrentar o arraial de Canudos, antes de conseguir dizimar quase toda sua população.

O que foi a política do café-com-leite?
O pitoresco nome de república café-com-leite se refere ao predomínio de dois estados, na Primeira República: São Paulo e Minas Gerais, que tinham por base econômica o café e o leite. Mas nem tudo no Brasil, do ponto de vista político, se resumia à aliança entre São Paulo e Minas. Também há quem se refira a esse período como “república dos coronéis”, pelo predomínio da figura do coronel – título dado a antigos coronéis da Guarda Nacional que controlavam uma área, arregimentavam a população e seus votos. Mas de fato podemos dizer que tínhamos uma república oligárquica. Em sua origem, a palavra oligarquia significa governo de poucos. A Primeira República foi exatamente isso: dominada por grupos concentrados nos estados maiores, que, organizados em partidos estaduais, decidiam quem seria o presidente. Era uma espécie de “clube dos notáveis”, no qual a população praticamente não influía.

O coronelismo existiu em todas as regiões?
É comum se pensar no coronelismo como um fenômeno do Nordeste, mas ele existiu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, só que de maneira diferente, por exemplo, daquele de certas áreas da Bahia, onde verdadeiros “senhores da guerra” ditavam as ordens, à frente de seus exércitos privados, ameaçando até o governador do estado. Já no Rio Grande do Sul, muitos dos coronéis não eram proprietários de terra, e sim comerciantes.

Os estados eram de fato autônomos?
Quando falamos em autonomia dos estados na Primeira República, é preciso pensar que existiam alguns de primeira grandeza, estados fortes, e outros de segunda ou terceira grandeza, estados fracos. Os interesses de São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e, em certa medida, Bahia e Pernambuco, tinham um peso bem específico.

Qual era o panorama econômico da época?
A Primeira República foi caracterizada pela agricultura de exportação, na qual o café ocupava o posto mais importante. A partir de 1880, e por quase trinta anos, a borracha da Amazônia foi o segundo produto de exportação, superando o açúcar. Era grande a demanda desse produto no que hoje chamamos de Primeiro Mundo: no início, quando se difundiu a moda da bicicleta, com pneus de borracha; e, depois, com o surgimento do automóvel. A riqueza gerada por ela mudou a fisionomia de Manaus e Belém, as capitais do Norte. Quem nunca teve benefícios foi o seringueiro, que trabalhava na mata. Mas por volta de 1910 começou a crise; em primeiro lugar pela competição das plantações inglesas da Malásia, na Ásia; além disso ocorreu aqui o ataque de uma série de pragas. Foi-se assim toda a antiga riqueza, mas restou muita beleza, como o Teatro Amazonas, em Manaus, ou o Teatro da Paz, em Belém, restaurados recentemente.

Por que houve imigração?
Desde meados de 1870, se iniciou um fenômeno de imigração em massa, principalmente de colonos italianos; em parte eles se dirigiam para o Sul, onde já havia imigrantes alemães. Outros se estabeleceram no Centro-Sul, especialmente em São Paulo. Esse movimento se deveu a dois fatores: diante das condições de pobreza na Europa muitas pessoas sonhavam com “fazer a América”, como se dizia na época; além disso, com a abolição, os fazendeiros precisavam substituir a mão-de-obra dos escravos. Para atrair imigrantes da Europa, foram mobilizados muitos recursos. Em São Paulo foi construída a Hospedaria dos Imigrantes (hoje Museu do Imigrante), onde eles eram recebidos e depois encaminhados para as fazendas de café. Mas muitos imigrantes permaneceram nas cidades, ou retornaram do campo após uma experiência. Viam nas cidades maiores oportunidades de ganho e mais liberdade do que no duro regime de trabalho das fazendas de café. Depois dos italianos vieram os espanhóis e, nos primeiros anos do século 20, começaram a chegar os japoneses – estes de fato se fixaram por muito tempo no campo.

Como fenômeno social, a imigração deu certo no Brasil?
Em termos gerais, sim, mas isso não significa que todos tenham sido bem-sucedidos. Muita gente permaneceu pobre no Brasil, ou voltou para seus países. A vida do colono do café era difícil, embora existissem oportunidades de ascensão social. Muitos imigrantes conseguiram avançar na vida e integrar-se à sociedade brasileira.

Fonte:
Entrevista com Boris Fausto: Disponível em http://mecsrv04.mec.gov.br/seed/tvescola/historia/entrevista_1a.asp, acesso em 13 jan 2009.

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